Estamos
perplexos com o progressivo aumento nos índices de obesidade que acomete todas
as faixas etárias e, muitas vezes, inicia-se desde a infância. As reconhecidas
complicações metabólicas e cardiovasculares envolvidas no processo de ganho de
peso implicam em sofrimento pessoal e coletivo, com custos progressivos e
imprevisíveis aos sistemas de saúde. A obesidade é vista por alguns como um
direito individual, mas em verdade é uma grave doença sistêmica, pois o obeso
apresenta problemas metabólicos1-3
(resistência à insulina, diabetes mellitus tipo 2, e dislipidemia, hipertensão arterial,
problemas osteoarticulares, dermatológicos, e, inclusive, neoplásicos) tem mais
câncer de mama, útero, cólon, e próstata. Há graves implicações psicossociais
envolvidas nesta doença, desde as limitações a alguns trabalhos como a perda de
oportunidades afetivas.
Na imensa
maioria das vezes a obesidade é exógena, isto é, há um excesso alimentar. O
médico, em especial o pediatra, diante de um obeso de causa exógena é, de modo
geral, muito pouco provido de recursos. As famílias, mães e avós em particular,
são participantes na gênese da obesidade, e, simultaneamente, trazem a criança
obesa para tratamento sem disposição para alterar os hábitos alimentares.
Adicionalmente, nas últimas décadas houve grande aumento na oferta de comida
pronta assim como a divulgação para as crianças. Nestas circunstâncias,
conhecidas de todos, entendese a evolução alarmante dos índices de obesidade, e
não é de espantar que surjam mitos para justificar o quadro e manter a
distorção alimentar. Todo obeso adulto e os familiares de crianças obesas
desejam ter a justificativa de sua obesidade na disfunção da tireóide, e dessa
forma transferir à doença tireoidiana o ônus de seu ganho de peso.
Fogem da dura
realidade de que o ganho de peso decorre da ingestão excessiva frente ao
consumo. A procura de uma doença tireoidiana como causa da obesidade tem uma
longa história, e a eventual ocorrência desta possibilidade levou a que muitos
profissionais utilizassem o hormônio
tireoidiano no tratamento de qualquer obesidade1,2.
Esta prática felizmente está desaparecendo,
pois não soluciona a verdadeira causa da obesidade,
tem efeito lipolítico transitório, e traz a possibilidade de efeitos
colaterais, como o consumo de massa magra, com evidente prejuízo ao paciente.
Porém, frente à dificuldade de solucionar o problema, ainda hoje, não é incomum
encontrarmos fórmulações contendo hormônio tireoidiano. A avaliação da
tireoidopatia como causa de obesidade deve ser criteriosa. Quando avaliamos o
hipotireoidismo como causa de obesidade devemos verificar um aspecto clínico
diferencial importante: o hipotireoideo apresenta redução no crescimento,
enquanto o obeso exógeno é maior. Analisar a velocidade de crescimento através
da curva ponderal e estatural é o primeiro passo. A seguir, deve-se distinguir
entre a simples constatação de doença presente na tireóide com disfunção do
órgão. A presença de autoanticorpos séricos, por exemplo, indica a ocorrência
de provável tireoidite, mas não que já esteja ocorrendo um hipotireoidismo
clínico É a dosagem do T4 livre – baixa, acompanhada de elevação do TSH, que
caracteriza o hipotireoidismo. Em contraprova, a reposição hormonal deve fazer
a curva de crescimento retornar ao canal de normalidade, quando a causa é o
hipotireoidismo.
Por vezes há
casos mistos, de obesidade por hipotireoidismo e excesso alimentar, quando o crescimento dos obesos pode até serrazoável,
dependendo da intensidade do hipotireoidismo.
A principal
tireoidopatia associada à obesidade da criança é a tireoidite auto-imune (TLC).
A TLC ocorre em 1,2% das crianças acima de 6 anos de idade e é a disfunção
tireoidiana mais freqüente nessa faixa etária. Nem sempre a detecção de
anticorpos significa que temos alteração de
função tireoidiana, e um grande número destes
pacientes são eutireoidianos ou apresentam um hipotireoidismo subclínico. A
indicação de tratamento só fica justificada com concentrações de TSH superiores
a 10 mU/L. Evolutivamente, 2/3 destes casos mantém a função tireoidiana ou
permanecem na faixa de hipotireoidismo subclínico, sem necessidade de
tratamento de reposição. Apenas 30 a 40% desses pacientes evoluem para
hipotireoidismo franco; os melhores preditores para a evolução de cinco anos
são o aumento no tamanho da tireóide e as grandes concentrações de anticorpos
anti-tireoglobulina. É imprescindível que outros setores endócrinos sejam
avaliados no hipotireoideu, pois a hipofisite linfocitária (autoimune) pode
ocorrer em concomitância, com insuficiência do hormônio de crescimento. O
excesso de glicocorticóides pode também ocorrer em algumas situações, em
concomitância com a TLC, e a supra-renal deve ser avaliada.
Portanto,
atribuir a obesidade a uma tireoidite é mais difícil do que verificar a simples
presença de auto-anticorpos séricos específicos. Na condução dos casos de
obesidade o exame físico inicial é revelador2:
o obeso exógeno é um grande, rosado e feliz hipernutrido, enquanto os tireoidopatas são pequenos e quietos doentes. Esses
podem apresentar bradicardia, xerose cutânea, alteração de fâneros, obstipação e eventualmente
outras alterações. A curva de crescimento complementa as informações, como analisado
previamente. Os obesos e suas famílias dizem que não comem! E isto pode induzir omédico à
crença de que está frente a um caso de obesidade secundária a doença endócrina.
Possivelmente, o inquérito alimentar dos obesos seja
uma das fontes mais inverídicas a que o pediatra
tem acesso! Não havendo alterações endócrinas
sugestivas, a obesidade exógena é firmada apesar
dos protestos dos familiares. A obesidade tem base genética, e é difícil
contrariar o metabolismo e perder peso. É claro que um componente muito
importante da obesidade é realmente genético. Porém, não há genética que
resista à baixa ingestão calórica. Um planejamento alimentar bem feito e
associado à atividade física regular leva à perda de peso, embora não garanta a
sua manutenção no longo prazo – um outro problema. Isso implica uma modificação
não só do hábito alimentar, mas de todo o estilo de vida. O conhecimento sobre
a fisiologia do tecido gorduroso está se ampliando.
O adipócito,
que há pouco tempo era visto como um mero depósito de gordura, hoje é
considerado um relevante órgão endócrino. Neste tecido são produzidas
adipocitocinas, hormônios, fatores pró-coagulantes, fatores inflamatórios, e aí
estão muitos receptores hormonais; a cada dia vemos a publicação de um novo
fator que se descobre ser produzido ou ter ação no tecido adiposo. Porém, a
fisiopatologia da obesidade permanece obscura, constatando-se passivamente o
desequilíbrio do mecanismo de fome e saciedade. É certo que aspectos da vida
moderna, com a ampliação da oferta de alimentos, do poder de compra, a
diminuição da atividade física, e o aumento da tensão/ansiedade parecem
constituir o pano de fundo da pandemia de obesidade. Diante desta realidade, e
da dificuldade para enfrentar este formidável desafio, somos às vezes, levados
a tratar, desnecessariamente, a obesidade com hormônio tireoidiano. Há nesta
situação o risco de induzir um hipertireoidismo, dependendo da dose utilizada,
com agitação, perda de massa muscular, perda de sono e, até, perda de peso mas
com prejuízo ao paciente.
O investimento
em educação alimentar, e a adoção de hábitos de vida saudáveis, conscientizando
a criança desde a mais tenra idade, é o que pode reverter a pandemia de
obesidade a médio e longo prazo. Também neste caso, a medicina preventiva é
mais recompensadora do que o tratamento dos doentes.