sábado, 28 de julho de 2012

Doença tireoidiana e obesidade


Estamos perplexos com o progressivo aumento nos índices de obesidade que acomete todas as faixas etárias e, muitas vezes, inicia-se desde a infância. As reconhecidas complicações metabólicas e cardiovasculares envolvidas no processo de ganho de peso implicam em sofrimento pessoal e coletivo, com custos progressivos e imprevisíveis aos sistemas de saúde. A obesidade é vista por alguns como um direito individual, mas em verdade é uma grave doença sistêmica, pois o obeso apresenta problemas metabólicos1-3 (resistência à insulina, diabetes mellitus tipo 2, e dislipidemia, hipertensão arterial, problemas osteoarticulares, dermatológicos, e, inclusive, neoplásicos) tem mais câncer de mama, útero, cólon, e próstata. Há graves implicações psicossociais envolvidas nesta doença, desde as limitações a alguns trabalhos como a perda de oportunidades afetivas.
 

Na imensa maioria das vezes a obesidade é exógena, isto é, há um excesso alimentar. O médico, em especial o pediatra, diante de um obeso de causa exógena é, de modo geral, muito pouco provido de recursos. As famílias, mães e avós em particular, são participantes na gênese da obesidade, e, simultaneamente, trazem a criança obesa para tratamento sem disposição para alterar os hábitos alimentares. Adicionalmente, nas últimas décadas houve grande aumento na oferta de comida pronta assim como a divulgação para as crianças. Nestas circunstâncias, conhecidas de todos, entendese a evolução alarmante dos índices de obesidade, e não é de espantar que surjam mitos para justificar o quadro e manter a distorção alimentar. Todo obeso adulto e os familiares de crianças obesas desejam ter a justificativa de sua obesidade na disfunção da tireóide, e dessa forma transferir à doença tireoidiana o ônus de seu ganho de peso.
 

Fogem da dura realidade de que o ganho de peso decorre da ingestão excessiva frente ao consumo. A procura de uma doença tireoidiana como causa da obesidade tem uma longa história, e a eventual ocorrência desta possibilidade levou a que muitos profissionais utilizassem o hormônio

tireoidiano no tratamento de qualquer obesidade1,2. Esta prática felizmente está desaparecendo,

pois não soluciona a verdadeira causa da obesidade, tem efeito lipolítico transitório, e traz a possibilidade de efeitos colaterais, como o consumo de massa magra, com evidente prejuízo ao paciente. Porém, frente à dificuldade de solucionar o problema, ainda hoje, não é incomum encontrarmos fórmulações contendo hormônio tireoidiano. A avaliação da tireoidopatia como causa de obesidade deve ser criteriosa. Quando avaliamos o hipotireoidismo como causa de obesidade devemos verificar um aspecto clínico diferencial importante: o hipotireoideo apresenta redução no crescimento, enquanto o obeso exógeno é maior. Analisar a velocidade de crescimento através da curva ponderal e estatural é o primeiro passo. A seguir, deve-se distinguir entre a simples constatação de doença presente na tireóide com disfunção do órgão. A presença de autoanticorpos séricos, por exemplo, indica a ocorrência de provável tireoidite, mas não que já esteja ocorrendo um hipotireoidismo clínico É a dosagem do T4 livre – baixa, acompanhada de elevação do TSH, que caracteriza o hipotireoidismo. Em contraprova, a reposição hormonal deve fazer a curva de crescimento retornar ao canal de normalidade, quando a causa é o hipotireoidismo.  

Por vezes há casos mistos, de obesidade por hipotireoidismo e excesso alimentar, quando o crescimento dos obesos pode até serrazoável, dependendo da intensidade do hipotireoidismo.

A principal tireoidopatia associada à obesidade da criança é a tireoidite auto-imune (TLC). A TLC ocorre em 1,2% das crianças acima de 6 anos de idade e é a disfunção tireoidiana mais freqüente nessa faixa etária. Nem sempre a detecção de anticorpos significa que temos alteração de

função tireoidiana, e um grande número destes pacientes são eutireoidianos ou apresentam um hipotireoidismo subclínico. A indicação de tratamento só fica justificada com concentrações de TSH superiores a 10 mU/L. Evolutivamente, 2/3 destes casos mantém a função tireoidiana ou permanecem na faixa de hipotireoidismo subclínico, sem necessidade de tratamento de reposição. Apenas 30 a 40% desses pacientes evoluem para hipotireoidismo franco; os melhores preditores para a evolução de cinco anos são o aumento no tamanho da tireóide e as grandes concentrações de anticorpos anti-tireoglobulina. É imprescindível que outros setores endócrinos sejam avaliados no hipotireoideu, pois a hipofisite linfocitária (autoimune) pode ocorrer em concomitância, com insuficiência do hormônio de crescimento. O excesso de glicocorticóides pode também ocorrer em algumas situações, em concomitância com a TLC, e a supra-renal deve ser avaliada.


Portanto, atribuir a obesidade a uma tireoidite é mais difícil do que verificar a simples presença de auto-anticorpos séricos específicos. Na condução dos casos de obesidade o exame físico inicial é revelador2: o obeso exógeno é um grande, rosado e feliz hipernutrido, enquanto os tireoidopatas são pequenos e quietos doentes. Esses podem apresentar bradicardia, xerose cutânea, alteração de fâneros, obstipação e eventualmente outras alterações. A curva de crescimento complementa as informações, como analisado previamente. Os obesos e suas famílias dizem que não comem! E isto pode induzir omédico à crença de que está frente a um caso de obesidade secundária a doença endócrina. Possivelmente, o inquérito alimentar dos obesos seja
uma das fontes mais inverídicas a que o pediatra tem acesso! Não havendo alterações endócrinas

sugestivas, a obesidade exógena é firmada apesar dos protestos dos familiares. A obesidade tem base genética, e é difícil contrariar o metabolismo e perder peso. É claro que um componente muito importante da obesidade é realmente genético. Porém, não há genética que resista à baixa ingestão calórica. Um planejamento alimentar bem feito e associado à atividade física regular leva à perda de peso, embora não garanta a sua manutenção no longo prazo – um outro problema. Isso implica uma modificação não só do hábito alimentar, mas de todo o estilo de vida. O conhecimento sobre a fisiologia do tecido gorduroso está se ampliando.
 

O adipócito, que há pouco tempo era visto como um mero depósito de gordura, hoje é considerado um relevante órgão endócrino. Neste tecido são produzidas adipocitocinas, hormônios, fatores pró-coagulantes, fatores inflamatórios, e aí estão muitos receptores hormonais; a cada dia vemos a publicação de um novo fator que se descobre ser produzido ou ter ação no tecido adiposo. Porém, a fisiopatologia da obesidade permanece obscura, constatando-se passivamente o desequilíbrio do mecanismo de fome e saciedade. É certo que aspectos da vida moderna, com a ampliação da oferta de alimentos, do poder de compra, a diminuição da atividade física, e o aumento da tensão/ansiedade parecem constituir o pano de fundo da pandemia de obesidade. Diante desta realidade, e da dificuldade para enfrentar este formidável desafio, somos às vezes, levados a tratar, desnecessariamente, a obesidade com hormônio tireoidiano. Há nesta situação o risco de induzir um hipertireoidismo, dependendo da dose utilizada, com agitação, perda de massa muscular, perda de sono e, até, perda de peso mas com prejuízo ao paciente.


O investimento em educação alimentar, e a adoção de hábitos de vida saudáveis, conscientizando a criança desde a mais tenra idade, é o que pode reverter a pandemia de obesidade a médio e longo prazo. Também neste caso, a medicina preventiva é mais recompensadora do que o tratamento dos doentes.